À guisa dos novos conflitos corporativos apresentados e, em face da urgente e necessária atenção à saúde emocional dos atores corporativos, faz-se necessária a adoção de novas estratégias e boas práticas de solução de controvérsias, hábeis a minimizar impactos desfavoráveis e conflitos pessoais, relacionais e jurídicos dentro da organização, e a Visão Sistêmica surge como uma alternativa eficaz para esse alcance.
Trata-se de uma abordagem que almeja perceber e compreender os problemas corporativos de maneira integrada, considerando todas as partes envolvidas e suas inter-relações, a partir de um histórico sistêmico complexo, ou seja, uma mesma fonte de informações interligadas ao conflito que está sendo albergado.
No contexto empresarial, isso significa entender que as disputas não afetam somente as partes diretamente envolvidas, mas também os líderes, sócios, clientes, fornecedores, colaboradores e até mesmo a imagem da empresa perante a sociedade e os produtos oferecidos.
Ao adotar uma visão sistêmica torna-se possível identificar os reais fatores que ensejaram a disputa e buscar soluções de comunicação que atendam a esses interesses de forma equilibrada e sustentável. Isso pode ser feito por meio da identificação do histórico sistêmico do conflito, valores pessoais e corporativos, princípios, culturas, filosofias, crenças e religiões pessoais dos clãs em combate e a relação dessas informações com os valores, princípios, fundamentos e objetivos da empresa, que é, por si, um organismo vivo.
O ponto de partida da Mediação deixa de ser somente a voz autônoma de quem narra o problema na mesa de mediação mas a capitação pelo(a) Mediador(a) (a partir da sua mudança de postura, autoconhecimento, preparo anterior e comunicação verbal, gestual e visual) das informações que permeiam o memorial envolvido naquele conflito sistêmico e as consequências geradas.
Desde 1950, o biólogo alemão Ludwig von Bertalanffy estuda e aperfeiçoa a Teoria Geral de Sistemas (TGS), a qual visa à elaboração de um modelo científico explicativo do comportamento de um organismo vivo.
O estudo sistêmico almeja inicialmente avaliar o ser vivo, compreendendo e evidenciando as diferenças entre os sistemas biológicos e físicos, como: sistema respiratório, vascular, urinário, circulatório e como se dá o inter-relacionamento desses para com os sistemas menores, e entre si, além da interação com o sistema maior e, por fim, o que é produzido a partir dessa inteligência relacional. (BERTALANFFY, 2012).
Tomando como objeto de observação a Teoria Geral dos Sistemas é possível compreender o funcionamento do sistema maior, ou seja, o ser humano, em uma abordagem sistêmica, que expande a visão para além das partes do corpo e dos órgãos, para então perceber-se o todo subdividido, compreendendo como um sistema ou um órgão interfere no funcionamento de outro e no funcionamento do todo.
A partir da visão sistêmica toda a memória contida nas propriedades sistêmicas advindas das relações humanas é observada e diagnosticada que chamamos de ressonância mórfica. Isso porque, segundo Sheldrake (2013), cada espécie de ser vivo é dotada de um campo invisível que nele contém a memória de si e de todos os que vieram antes dele, formando um sistema. Esses sistemas criam campos morfogenéticos que são abarcadores de memórias, as quais permitem a transmissão de informações entre organismos da mesma espécie, por meio da chamada ressonância mórfica, a qual, por essa razão, resulta a existência de uma memória coletiva e inconsciente que induz à repetição de posturas, atitudes, dores e medos transmitidos de geração para geração, seja na vida humana ou numa empresa.
A atuação do(a) Mediador(a) que atua com Visão Sistêmica consiste em observar e perceber de forma habilidosa as informações do sistema conectadas a origem do conflito. Uma nova postura de solução que facilita a comunicação para alcançar a solução para o sistema como um todo e, por conseguinte, também evitar reincidências.
Isso não significa que eventual decisão de, por exemplo, desligamento por justa causa, não seja tomada em um caso de assédio moral, mas, essa decisão, certamente, estará mais legitimada em conformidade com um diagnóstico sistêmico da organização.
A partir da compreensão de que um sistema é formado por um conjunto de unidades em interação, formando um todo superior à soma das partes, chegamos ao entendimento de que é possível mover essa cadeia de sistemas. Explica-se: sob a visão sistêmica, tem-se que o objeto de análise deixa de ser somente o fato isolado ou o elemento apresentado. Passamos a olhar todo o sistema em que o conflito foi apresentado, tanto das pessoas nele envolvidas (história ancestral sistêmica que cada um carrega: memórias, traumas, crenças limitantes e culturais etc.) quanto também dos seus colegas de equipe, líderes e gestores, e das propriedades geradas da interação entre eles.
As informações colhidas no campo da Mediação serão lidas de maneira complexa e formarão um caminho de comunicação que facilitará a tomada de decisão pelas partes, de forma genuína, que vai autorregular o sistema e evitar novos conflitos da mesma natureza. As interações sistêmicas, em grande parte, geram sentimentos e posturas humanas de exclusão, julgamento, machismo, racismo, agressividade, desequilíbrio emocional, isolamento, disputas internas e outros sintomas que percebemos na rotina dos(as) colaboradores(as), líderes, sócios(as) e gestores(as) das grandes empresas. Identificar essas iterações e facilitar a comunicação assertiva e não violenta entre elas favorece o bom acordo.
Neste sentido, o pensamento sistêmico organizacional além de colaborar para novas possibilidades de soluções das controvérsias apresentadas também permitirá a gestores(as) e colaboradores(as) uma nova postura profissional a partir da consciência de que as ações geram consequências e que a postura individual influencia o todo produtiva ou negativamente, ou seja, o fracasso nunca é somente pessoal, o que facilita à atuação efetiva nas causas de alavancagem de progresso nas equipes, com atuação preventiva dos gestores não somente quanto aos efeitos produzidos mas também nas causas sistêmicas de controvérsias.
Isto porque, conforme já se observou, os eventos organizacionais estão interligados e o movimento em uma área pode gerar impacto nas demais e nos seus colaboradores, visão holística que enxerga o todo e suas partes de forma interligada e dinâmica. Já, a visão fragmentada, individual e cartesiana não combina com a metodologia sistêmica, em que as partes compõem o todo e, assim, se inter-relacionam continuamente.
A identidade criada dentro das equipes de trabalho e da consciência inconsciente que existe nas interações entre pessoas e grupos acaba gerando dinâmicas ocultas advindas dessas relações, e o(a) Facilitador(a) percebe e trabalha com essas informações, trazendo à tona o que antes não estava visto na empresa, a fim de preservar o equilíbrio e prevenir conflitos.
Conforme já delineado, o foco de observação no processo sistêmico de Mediação não é somente o conflito narrado pelos envolvidos, mas, principalmente, a compreensão da interação relacional havida entre todos que figuram no campo mórfico da equipe e o que essas propriedades geraram de resultados.
Observamos a realidade sistêmica e não somente os elementos que a produziram. Por exemplo: uma investigação em um processo de complicance por assédio moral será observada, percebida e diagnosticada no campo sistêmico em que foi produzida, sob uma abordagem técnica específica que permeará as ramificações desse conflito, advindas dos entrelaçamentos e interações existentes entre os agentes (inclusive ancestralmente), com a investigação histórica das posições de cada um na equipe e as consequências projetadas tanto para as pessoas envolvidas diretamente quanto indiretamente.
Os recursos e técnicas utilizados são amparados pela Teoria Geral dos Sistemas que ampara um Facilitador(a) para captar a desordem sistêmica invisível para torná-la visível e passível de correção, permitindo à parte que, através de uma boa comunicação, realinhe seu sistema e tome novas decisões por meio do procedimento.
Desta feita, como habilidade profissional e comportamental, a Visão Sistêmica traz uma nova postura de atuação. Que lhe permite contemplar diferentes informações e propriedades do sistema organizacional sob análise, a partir da interação entre os diferentes atores do cenário corporativo envolvidos naquele conflito.
Uma expansão das competências para perceber informações que antes, não se podia perceber, surgidas da interação nas diferentes engrenagens corporativas, entre pessoas (colaboradores, líderes, gestores, sócios, clientes, fornecedores), microssistemas (equipes, times) e macrossistema (a empresa).
Em suma, a Mediação que aborda somente o conflito individualizado narrado pelos envolvidos pode ir além para atentar-se de forma humanizada, estratégica e empreendedora para as informações históricas, vivenciais, panorâmicas e principiológicas que permeiam aquele sistema.
Segundo Cecílio Fernández Regojo (s.d., s.p.):
Um sistema é um conjunto de elementos que estão interligados entre si numa contínua relação de mudança”. Por outras palavras, um sistema é qualquer grupo das pessoas que regularmente trabalha, aprende, se diverte ou se relaciona em conjunto. Inclui os donos das empresas, os fundadores, administradores, gestores, funcionários, departamentos, produtos, mercado, clientes etc. Em empresas ou organizações, clubes desportivos, hospitais, autarquias, governo etc.
Com as empresas não é diferente. Pessoas, departamentos, áreas e processos, quando se interrelacionam numa grande teia sistêmica chamada organização, produzem resultados e propriedades diferenciadas, positivas e negativas, os quais podem ser trabalhados, jurídica e sistemicamente, para o desiderato da solução dos conflitos e desenvolvimento humano, permitindo-se a engenharia de novas soluções, treinamentos, comunicação, regras éticas, complicance e boas práticas.
Partindo da premissa que o todo deve ser levado em consideração o (a) Mediador(a) que adota essa nova forma de realizar a sua prática profissional desenvolve uma nova expertise técnica que lhe permite perceber, em uma leitura expandida e humanizada, os reais conflitos que estão motivando a controvérsia e facilitar a comunicação entre os envolvidos a partir desse novo prisma, evitando novos conflitos, problemas de compliance, assédio moral, racismo, misoginia e agressividade no ambiente de trabalho.
Compete analisar os conflitos a partir de uma perspectiva mais ampla, considerando o contexto em que as partes estão inseridas, o ambiente empresarial, os interesses das empresas, postura das pessoas, objetivos estratégicos, cultura organizacional e a relação com clientes e fornecedores.
E os benefícios dessa nova teoria são alcançam somente as partes mas também o(a) próprio(a) Facilitador(a) que, ao aprender a técnica desenvolve uma nova postura de atuação que lhe permite maior distanciamento em relação as dores postas nas reuniões, menor espaço para envolvimento e julgamentos ou colocação de crenças pessoais, fortalecendo a imparcialidade e boa fé que fundamentam uma mediação satisfatória.
Trata-se de uma visão humanista e filosófica que se distancia da visão cartesiana e formalista para alcançar complexidades organizacionais (muitas vezes ocultas no conflito). Para solucionar tais controvérsias, é fundamental contar com um(a) Mediador(a) especializado, que possua conhecimento multidisciplinar corporativo e que também seja capaz de compreender as peculiaridades sistêmicas da empresa, envolvidas em uma questão conflituosa, já que a história sistêmica da organização também pessoa pode influenciar no resultado da prática.
A título ilustrativo podemos asseverar uma vivência sistêmica de mediação realizada após o andamento de um processo de investigação de compliance por suspeita de assédio sexual entre um diretor e uma colaboradora. Na mesa de mediação, ao ampliar a visão e a escuta para a memória sistêmica da empresa, pudemos perceber tratar-se de um ambiente que historicamente passava por problemas de misoginia, assédio moral e sexual silenciado por muitos anos naquele ambiente e que a repetição sistêmica estava fadada a acontecer, mesmo diante da mudança de valores, filosofia, linguagem que a empresa já vinha tentando empreender.
Albergar tais fatores ambientais, históricos e culturais relacionados a empresa e seus fundadores nos permitiu criar novas possibilidades de comunicação entre gestores e partes para que pudessem compreender que a tomada de decisão para alcance da solução no caso específico certamente geraria um impacto sistêmico efetivo e hábil à transformar a consciência e cultura organizacional que almejavam. E, assim aconteceu.
A Teoria Geral Sistêmica ensina que diferentes tipos e propriedades são propagados como resultados da interação relacional havida nas organizações: as chamadas propriedades sistêmicas. Por sua vez, as propriedades sistêmicas trazem novas informações e características que antes, pela contemplação individual, não se podia perceber.
Facilita, por conseguinte, a avaliação de escolhas e tomada de decisões assertivas para acordos em Mediação, visando implantação de novos processos e políticas internas, desligamentos e contratações, pesquisa de clima, novos negócios, alternativas de marcas e produtos, entrada ou saída de sócios, mediação de conflitos, fusões e aquisições equilibradas, e outras medidas de gestão organizacional, as quais refletem diretamente no relacionamento com clientes, realização pessoal e profissional dos colaboradores e êxito da empresa, em uma grande teia que, quando é tocada ou modificada, reverbera consequências em todas as suas extensões. Uma nova tecnologia sistêmica à serviço das empresas.
Mapear de forma humana e livre de julgamentos o caminho do conflito, trauma, dor, ou disputa pessoal ou corporativa para facilitar a comunicação e a tomada da decisão mais assertiva é, antes de tudo, uma postura humanista de quem está responsável pela Mediação. Postura que certamente evitará a judicialização conflitos que podem e devem ser solucionados na esteira extrajudicial, conforme se depura da ilustração de Klaus Grochowiak e Joachim Castella:
Também os colaboradores demitidos, quando a sua demissão foi injusta do ponto de vista sistêmico, continuam muitas vezes sendo parte do sistema. Isso pode ser percebido pelo fato de que os colaboradores remanescentes a) ainda tem um sentimento de culpa porque puderam permanecer ou b) desenvolvem problemas de motivação e temor e, portanto, só podem aceitar o seu trabalho limitadamente. Há muitos motivos diferentes porque os demitidos ainda podem ter influência sobre o sistema. Um exemplo que nos deixou impressionados é o seguinte: em uma grande empresa européia de telecomunicações um departamento foi reestruturado de forma que dos originais 400 colaboradores, 300 foram demitidos (destes, todavia, 90% foram realocados para uma outra posição na empresa). Os 100 colaboradores remanescentes segundo informações do cliente responsável pela medida de reestruturação, dividiram-se entre colaboradores que trabalhavam e colaboradores que se recusavam a trabalhar. (GROCHOWIAK, 2007)
Mesmo porque, embora a direção da empresa tente promover uma cultura partilhada para toda a organização, acontece, por vezes, que a cultura dos departamentos é mais forte ou que a identidade de grupos esteja mais rígida e fortalecida para um viés específico. Aqui, além da Teoria Geral dos Sistemas, e uma agenda de boas práticas e comunicação eficiente e não violenta afetam as propriedades sistêmicas do campo organizacional, gerando impactos negativos para o todo subdividido.
Facilita uma comunicação consciente que distancie as partes dos pontos de combate, agressividade, medos, memórias, crenças, lealdades invisíveis, julgamentos e consciências, sob a Teoria Sistêmica, para que possa de fato contribuir para o equilíbrio, performance, comunicação eficiente e solução de conflitos no ambiente organizacional e corporativo.
A essência da Modernidade Jurídica está guiada pelas soluções rápidas, pacíficas e inteligentes, fundadas em diplomas como a resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, a CF/88 e o Artigo 3º do Código de Processo Civil [1] que se completa pela Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, a chamada Lei da Mediação, a qual dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. (BRASIL, 2010; 1988; 2015a; 2015b).
É justamente nesse viés transformador que a visão sistêmica transita: facilitar para comunicar e conciliar. Dar às partes o protagonismo e a legitimidade para solucionarem os seus conflitos de forma harmoniosa, legítima e satisfativa, sem passar pelas mãos de um terceiro julgador estranho à relação. Prática refinada, dirigida, fluida e imparcial, deveras importante para estabelecer uma comunicação produtiva.
[1] Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
- 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
- 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
- 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.